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Ver com os olhos do coração

(...)
- Vocês são bonitas, mas vazias - ainda lhes disse o principezinho. - Não se pode morrer por vocês. Claro que, para um transeunte qualquer, a minha rosa é perfeitamente igual a vocês. Mas, sozinha, vale mais do que vocês todas juntas, porque foi a ela que eu reguei. Porque foi a ela que eu pus debaixo de uma redoma. Porque foi a ela que eu abriguei com o biombo. Porque foi a ela que eu matei as lagartas (menos duas ou três, por causa das borboletas). Porque foi a ela que eu ouvi queixar-se, gabar-se e até, às vezes, calar-se. Porque ela é a minha rosa. A minha rosa é única.
E então voltou para o pé da raposa e disse:
- Adeus...
- Adeus - disse a raposa. - Vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos…
- O essencial é invisível para os olhos – repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Os homens já se esqueceram desta verdade - disse a raposa. - Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que está preso a ti. Tu és responsável pela tua rosa…
- Sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
(O Principezinho, Antoine Saint-Exupéry)



Andamos pelo mundo a vaguear, a olhar para os outros e para aquilo que nos rodeia sem realmente os vermos. Contudo, há certos momentos, aqueles em que somos obrigados a parar e a pensar, em que começamos a ver, efetivamente. 

Ao lermos este belíssimo excerto, somos nós próprios questionados se alguma vez vimos com os olhos do coração, se alguma vez vimos aquilo que é invisível aos olhos e que é mais importante do que tudo aquilo que olhamos a olho nu. Será que já tivemos essa experiência? Quando fui confrontada com esta situação, obriguei-me a refletir sobre ela. Já vi com os olhos do coração? Será que apenas olho ou vejo realmente aquilo que é essencial?

Foi, então, que me lembrei de uma experiência que vivi há alguns meses e que tive a certeza que, nesse dia, vi com os olhos do coração. Vi através do que é superficial e percebi que há realmente coisas muito importantes que nos escapam, que nos passam ao lado, porque não olhamos para elas com olhos de ver. De facto, o essencial vai muito para lá daquilo que é visível a olho nu.

No âmbito do Dia da Pessoa com Deficiência, a minha faculdade levou dois grupos pertencentes a duas associações de apoio a pessoas com deficiências motoras (e não só) para nos presentearem com os seus espetáculos. Ora, nós pensamos nessas pessoas - algumas com altas incapacidades, que nem se quer são capazes de falar - e não pensamos que elas são capazes de fazer um "espetáculo". Nós imaginamo-las como pessoas que dificilmente têm alguma utilidade - pelo menos, a grande maioria da sociedade. Contudo, isso é uma ideia pré-concebida totalmente errada. Se forem bem estimuladas e valorizadas, essas pessoas podem fazer muitas das coisas que nós fazemos tanto ou melhor do que nós, basta que as suas capacidades sejam aproveitadas e postas a render ao invés de serem desprezadas.

Passando à frente os pormenores e chegando ao ponto importante desta história, o momento em que eu sei que realmente abri os olhos e vi com os olhos do meu coração foi quando um grupo de pessoas com paralisia cerebral (altamente incapacitante na maioria deles) nos presenteou com uma atuação diferente de tudo o que já vimos e nos deslumbrou a todos com a sua capacidade de fazer música à sua maneira. Ver o sorriso radiante no rosto daquelas pessoas que têm uma vida tão complicada quando um auditório cheio se levantou para os aplaudir foi dos momentos mais gratificantes que eu já vivi. A felicidade estampada nos rostos daquelas pessoas foi de levar às lágrimas - e não foram lágrimas de pena ou compaixão, foram lágrimas de admiração e de muito orgulho. Porque aquelas pessoas têm a força para viver com todas as suas limitações e para transformá-las numa coisa positiva. Aquelas pessoas relembraram-me que, às vezes, fazemos dramas na nossa vida por coisas tão fúteis, quando há pessoas a viverem em condições muito piores sem se queixarem e que recebem cada presente que a vida lhes dá com a maior felicidade do mundo.

Vivemos com os olhos fechados para o mundo que nos rodeia e só nos vemos a nós, ao nosso pequeno mundinho e aos nossos problemas. Se, de vez em quando, abrirmos os nossos olhos do coração para ver os outros por dentro, para descobrir aquilo que é invisivel para a maioria das pessoas, vamos descobrir todo um novo mundo onde é muito mais fácil ter esperança, acreditar na bondade e encontrar a felicidade


E tu, costumas ver com os olhos do coração? Já reparaste em todas as coisas essenciais que estão para além do que vemos à superfície?


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