A sua carta tinha finalmente
chegado. Como de costume, tinha esperado cerca de um mês desde que enviara a
minha carta para que a sua pudesse chegar. Era assim desde à dois anos para cá,
desde que ele tinha aceite a sua missão no Iraque. Lembro-me de lhe ter
implorado que recusasse, mas também me lembro da sua justificação: Eu amo-te, tu sabes disso. Mas eu fui feito
para ajudar o Mundo e ele precisa de mim. A despedida foi a pior parte. Eu
não o queria deixar ir. Ele não queria que eu o visse chorar, não queria que eu
entendesse a dor que ele sentia ao deixar-me sozinha. Mas eu sabia que ele
precisava de ir, que o lugar dele é a lutar pela paz no mundo – por mais
contraditório que isto soe.
Desde esse dia que os nossos
reencontros são sempre muito melhores. Ele dá-me tudo de si, eu dou-lhe tudo de
mim – é assim que funcionamos. Eu sei que, muita gente, no meu lugar, já teria
desistido desta relação, mas eu não sou capaz de desistir de quem amo. Ele luta
pela paz e eu luto por nós dois. Tem dias em que é complicado e em que a
saudade é muito e completamente esmagadora, mas também há dias em que as suas
cartas chegam e as suas palavras me dão mais força para continuar.
E hoje chegou mais uma. Depois de
a retirar do envelope branco, levo-a ao nariz, inalando o seu cheiro e sentindo
o perfume do meu rapaz. Abro-a com as mãos trémulas – tenho sempre medo que ele
me vá falar de mais um ataque junto à sua base ou de que alguns colegas seus
morreram em combate. Essas cartas fazem-me entender o quão perto ele está do
perigo e isso assusta-me realmente.
“Meu amor,
Fez ontem dois anos que aqui
estou e isso relembrou-me de algo: falta muito pouco tempo para voltar a ver-te,
pois as férias estão a chegar, e eu já só consigo pensar em ter-te nos meus
braços. Nos últimos dias temos andado mais calmos e isso deixa-me com mais
tempo para pensar em ti, em nós e em como eu tenho saudades de casa. Tenho dado
tanto ao Mundo e, por momentos, penso se não será tempo de o Mundo me dar algo
também. Foi então que eu tomei a decisão mais importante de toda a minha vida (…)”
Respirei fundo, contendo as
lágrimas antes de retomar a minha leitura. Tinha medo do que as suas palavras
poderiam significar.
“(…) Eu vou voltar. Para casa. Para
ti.
Talvez isto se tenha tornado
demais para mim. Talvez eu não seja mais capaz de aguentar toda esta distância.
Talvez o barulho das armas, das bombas já me esteja a consumir e eu não sei por
mais quanto tempo seria capaz de suportar tudo isto.
Falei com os meus superiores para
lhes comunicar a minha decisão e eles respeitaram-na. Então, este é o meu
último mês aqui. Mal posso esperar para voltar para ti. Eu percebi que,
realmente, eu sou feito para o Mundo e que o Mundo precisa de mim, mas percebi
também que o meu Mundo és tu e que precisas mais de mim contigo do que todas as
outras pessoas. Tal como eu preciso de ti comigo.
Agora tenho de ir.
Aeroporto, dia 1 de agosto, 15h.
Espero por ti, bebé.
Amo-te”
As lágrimas de felicidade lavavam
o meu rosto. Suspirei, mas depois parei. Reli a última frase da carta. Peguei
no telemóvel.
Sábado, 1 de agosto de 2015.
14h13
Era hoje. Ele chegava hoje.
Dentro de quarenta e sete minutos. Eu precisava de o ir buscar.
Saí de casa à pressa e, por
alguns momentos, agradeci a Deus por morar minimamente perto do aeroporto e não
ter de demorar duas horas a chegar lá. Chorei durante o caminho todo e nem
quero imaginar o que as outras pessoas pensavam de mim. Uma mulher completamente
borratada e despenteada, com o pior aspeto do mundo, a conduzir pelas ruas da
cidade como se o mundo estivesse prestes a acabar. Mas não estava. O meu Mundo
estava prestes a chegar e eu só o queria agarrar bem nos meus braços e nunca
mais o deixar escapar.
No momento em que eu o vi, já
estava no aeroporto há alguns minutos, eu senti que o tempo tinha congelado.
Ainda tinha a sua farda vestida, a mochila verde tropa às costas e vinha com
alguns colegas. Sei que não me viu de imediato, ou pelo menos não me
identificou logo. Eu estava mais magra e os meus cabelo estavam agora ruivos e
mais curtos que da última vez que ele me vira. Contudo, quando os seus olhos
encontraram os meus, eu sei que ele não teve dúvidas de quem eu era. Larguei a
minha mala no banco do aeroporto e corri desalmadamente para os braços dele.
Chorei minutos a fio agarrada a si. Eu queria certificar-me de que ele estava
mesmo vivo e que nunca mais me iria largar.
Tu… - eu murmurei, por
entre lágrimas – Tu és o meu Mundo e eu só peço que nunca mais me deixes.
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